Ruta da Pedra e Auga

A Variante Espiritual do Caminho de Santiago Português

A Variante Espiritual do Caminho de Santiago Português

Neste post, queremos falar um pouco sobre a Variante Espiritual do Caminho de Santiago Português Central.

O Caminho de Santiago, como todos sabem, possui diversas rotas (oficiais e não oficiais), além das mais distintas formas de percorrer.

Em setembro de 2020, após altas e baixas da situação pandêmica no mundo, fomos convidados pela Mancomunidade do Salnés, a realizar a Variante Espiritual, que em meio a diversas paisagens, contempla, o que seria a rota original dos restos mortais do santo, feita em barco.

Como o próprio nome diz, essa rota é uma variante do Caminho Português Central, e atualmente busca o reconhecimento como uma rota oficial, junto à Xunta de Galícia. 

A rota recebe diversos peregrinos anualmente, e vem desenvolvendo cada vez mais, as estruturas da rota. A sinalização tem sido revitalizada, bem como há projetos para expansão das informações. Já as estruturas de alojamento, estão muito bem empregadas ao longo do caminho, bem como a oferta do percurso de barco, o Translatio. Também é uma das rotas consideradas de fácil execução.

 

A origem da Variante Espiritual

Por séculos, murmúrios de que o corpo do apóstolo Tiago Maior fora enterrado (ou escondido) em solo galego, ressoava entre os crentes. E inúmeras lendas surgiam a cerca do assunto, como perseguições, lutas e até milagres.
Conta-se que o corpo do apóstolo foi levado à Galícia por dois de seus seguidores, em um barco saído de Jafa, na Palestina. Quando chegou até a costa da Ría de Arousa, aportou onde atualmente se encontra a vila de Padrón. O barco teria sido conduzido por um anjo, que se guiava por uma estrela.

Após o desembarque, os discípulos do apóstolo encontraram dois touros bravos nos campos que, por ordem divina, tornaram-se mansos, e então puderam ser utilizados para carregar os restos mortais do santo na jornada até o local de seu descanso final.

Por volta do século IX, com a descoberta de uma tumba, indicaria que ali jazia o santo. Dois séculos depois, as peregrinações se difundem pela Europa. E assim surgiu uma tradição secular de caminhar até essa terra, num emprego de fé. E esse ato de caminhar foi ganhando cada vez mais uma aura mística, entre desejos, descobertas e amadurecimentos, transcendendo ao original significado religioso.

A Variante Espiritual recebe então, o peso de ter sido a origem de todos os caminhos. E como tal, faz-se a partir de um desvio do Caminho Português Central, no objetivo de percorrer a costa do Mar de Arousa e do Rio Ulla, e resgatar o caminho original a que teria sido submetido o corpo de Santiago.

A rota oficial do Translatio, se consolidou apenas em 1965, após a junção dos povoados e de representantes da Igreja Católica para revitalizar a via. E sem dúvidas, é a cereja do bolo nesse magnífico percurso da Variante Espiritual.

 

O Caminho de Santiago pela Variante Espiritual

A Variante Espiritual, como disse, é uma das rotas alternativas dentro do Caminho Português Central. Portanto, iniciamos nosso roteiro em Portugal, para também ter essa experiência do Caminho Português. 

Iniciamos em Ponte de Lima, passando por Rubiães e depois, Valença do Minho. Em Valença, cruzamos a ponte rodo-ferroviária de Valença, cruzando as fronteiras entre Portugal e Espanha e chegando em Tui. Seguimos por Redondela e Pontevedra, para depois, iniciar a Variante Espiritual.

Percorremos cerca de 126 Km (mais o translatio), em 8 dias de caminhada. O roteiro nos deixou maravilhados! Assim, vou descrever etapa por etapa, indicando também nossos erros e acertos. A começar que, seria viável acrescentar mais alguns dias ao roteiro, pois é um trajeto muito bonito.

Mas desde já, creio que seja importante ressaltar que a experiência da variante foi surpreendente, e que a melhor decisão de 2020 foi a de aceitar esse convite!

Como o conteúdo é bastante extenso, deixarei as etapas em um índice para que vocês fiquem à vontade para embarcar  conosco nessa aventura, no ritmo que acharem mais adequado.

 

1ª Etapa: Ponte de Lima a Rubiães

2ª Etapa: Rubiães x Tui

3ª Etapa: Tui x Redondela

4ª Etapa: Redondela x Pontevedra

5ª Etapa: Pontevedra x Armenteira – Início da Variante Espiritual

6ª Etapa: Armenteira x Vilanova de Arousa

7ª Etapa: Translatio – Vilanova de Arousa x A Picaraña

8ª Etapa: A Picaraña x  Santiago de Compostela

Custos do Caminho

 

Credencial
Selos da Credencial do Peregrino

 

1ª Etapa: Ponte de Lima a Rubiães

Ponte de Lima é uma cidade encantadora do norte de Portugal. O nome vem da Ponte, de origem romana, que cruza o Rio Lima. Incluso, a fundação da cidade está por trás de uma história no mínimo, curiosa.

Por volta do século II d.C., quando os romanos chegaram à região com a finalidade de avançar em conquista e expandir seus territórios, ficaram impressionados com a beleza do local. Conta a lenda que os soldados pensaram que aquele se tratava de um dos 5 rios de Hades, que conduziria para a vida eterna e que não deveriam atravessa-lo, pois suas águas os condenariam ao esquecimento. Diante da resistência dos soldados em cruzar o rio, o astuto general, Junius Brutos, atravessou o rio e começou a chamar seus soldados, nome a nome, mostrando que não havia sido tomado pelo esquecimento. 

Às margens do Rio Lima, é possível contemplar uma obra dedicada a essa passagem lendária: De um lado do rio, a escultura do general, e do outro, de seus soldados.

A cidade é pequena e charmosa. Possui um centro medieval, onde estão dispostos alguns hotéis, restaurantes, comércio, a antiga torre, que também foi uma prisão, e a igreja matriz. Ao final desse centro temos, de um lado, a ponte que cruza a o Rio Lima, e de outro, um belíssimo parque que acompanha o curso do rio, iniciando ao final do centro histórico, que se converge numa belíssima alameda de castanheiras, que em alguns dias da semana, pela manhã, comporta uma feira de produtores locais. 

O Percurso…

Ponte de Lima Caminho Português
Ponte de Lima, Portugal.

O trajeto dessa primeira etapa é curto, cerca de 18 Km apenas. Após cruzar a cidade de Ponte de Lima, percorremos os campos, em sua maior parte, por pequenas plantações de uva. Ao final de verão, as uvas estavam em ponto de colheita e espalhavam um cheiro doce pelo caminho. 

Também cruzamos algumas pequenas vilas, com um ou outro bar (entretanto, a longas distâncias). Permeamos riachos e cruzamos bosques. 

O nível de dificuldade é relativamente fácil, mas com muita subida, e incluso, subidas com muitas pedras, o que dificulta um pouco a caminhada. 

É importante se preparar com água e frutas (ou comidinhas leves), pois nessa etapa, os bares e restaurantes ficavam bastante longe.

A chegada a Rubiães foi tranquila. A cidade é bem pequena, pacata, e só possui um restaurante e uma mercearia, e algumas opções de albergue. 

Rubiães possui apenas um restaurante e uma mercearia, além dos albergues e algumas poucas casas. É um vilarejo de bastante característica rural: pacata, acolhedora e silenciosa.

 

2ª Etapa: Rubiães x Tui

Nesta etapa, percorremos cerca de 21 Km. Uns dois quilômetros depois do nosso albergue, havia uma mercearia que servia café da manhã. Tomamos um café com uma espécie de pão francês, para matar a saudade do Brasil, e ainda compramos algumas frutas para o caminho. 

A dificuldade deste percurso é baixa e se percorre a maior parte de uma antiga via romana, em meio a plantações, bosque, e riachos, os quais cruzamos também, por pequenas pontes romanas ou medievais. A Via Romana que passava pela região era a XIX, e conectava as cidades de Lugo e Braga, passando por outras cidades importantes para a época.

Há algumas cidades no meio deste trajeto, então tem várias opções de bares e restaurantes. Além disso, se pode desfrutar de mais exemplares da arquitetura portuguesa. 

No meio deste trajeto, também existem opções de pousadas rurais. Há mais ou menos 5 km de Valença, paramos em uma delas para almoçar. A Quina do Caminho é uma boutique spa, que oferece, além de uma belíssima estrutura de hospedagem, restaurantes, serviços de massagem para os peregrinos e visitantes.

Seguimos até Tui, mas analisamos que seria uma boa opção ter parado nessa pousada e no outro dia, seguir até Tui. Isso, porque tanto Valença, como Tui são cidades bonitas, com muita história e vale a pena um tempinho reservado para desfrutá-las.

Uma parada para comer, recarregar as energias e seguir!

Alimentados, seguimos até Valença do Minho. A cidade possui uma imensa fortaleza, herdada dos conflitos entre Portugal e Espanha, e, dentro da fortaleza, um centro muito bonito, com construções adornadas com os tradicionais azulejos azuis, ou paredes caiadas.

Ali está o centro do turismo da cidade, com alguns bares e restaurantes. Com mais tempo, pode ser interessante passear pelas ruas da cidade. 

Outro ponto turístico da cidade é a ponte que cruza os países Portugal e Espanha, atravessando o Rio Minho. A Ponte Rodo-Ferroviária foi construída em 1882 pelo arquiteto Pelayo Mancebo e mede 318 metros de comprimento. Sua estrutura em ferro faz lembrar a famosa Torre Eiffel. Por sinal, a empresa de Gustav Eiffel esteve envolvida em seu planejamento e construção.

O Caminho de Santiago passa por essa ponte e, após atravessá-la, chegamos em Tui. Claro que ainda há que se percorrer mais alguns quilômetros até o centro medieval, onde estão dispostos a maior parte dos albergues.

Pátio da Catedral de Tui Caminho de Santiago Português
Pátio da Catedral de Tui, na Galícia.

Como falei anteriormente, Tui também é uma cidade muito bonita, que vale a pena conhecer. É uma cidade antiga, com diversos pontos interessantes para se visitar. Entre eles, a igreja fortificada, uma construção monumental do século XII, que oferece uma bela vista para o Rio Minho. 

Reflexões do trajeto…

Outro motivo para avaliarmos uma parada antes da cidade, é que, apesar do trajeto ter baixo nível de dificuldade, como gostamos muito de parar e conhecer as coisas pelo caminho, acabamos chegando muito tarde e extremamente cansados. Assim, para quem gosta de mais calma e, quer mesclar o caminho com um pouco mais de turismo, talvez seja viável encurtar as etapas.

É interessante observar as mudanças culturais e de cenário, conforme vamos chegando mais próximo das fronteiras. Aqui também se deve ficar atento aos horários, e não falo apenas da alteração dos fusos. Os horários comerciais de Portugal são bem diferentes da Espanha. Em Portugal, por exemplo, o comércio abre cedo, o almoço é entre as 12 e as 14 horas, e o jantar, entre as 20 hs e as 22 hs. Na Espanha, as cafeterias costumam abrir depois das 8 hs da manhã, o almoço é as 14 hs, e o jantar, às 21 hs. Nas cidades menores, o comércio em geral (principalmente se não fizer parte de grandes redes), não funciona entre as 14 hs e as 17 hs. Então esteja atento, caso necessite de suprimentos. Além disso, na Espanha, apenas alguns estabelecimentos abrem aos domingo, sendo que os mercados, frutarias e, muitas vezes, padarias não abrem.

 

3ª Etapa: Tui x Redondela

Ao pesquisar e ver que esta etapa teria nível de dificuldade baixa, pensamos que poderia ser viável percorrer alguns quilômetros a mais para que o trajeto seguinte fosse mais tranquilo. E esse foi o maior erro que cometemos em todo o caminho.

Pelos guias que fizemos nossas pesquisas, a indicação era sair de Tui e chegar a Mos, num percurso de 27 km, e no dia seguinte, ir de Mos a Pontevedra, num percurso de 31 km. Entretanto, sabíamos que esse trajeto até Pontevedra teria muita subida, diferente do anterior. Entretanto, segundo os guias, de Tui a Mos, seria um percurso de baixa dificuldade, mesmo sabendo que caminharíamos muito mais por asfalto. 

A verdade é que deveríamos ter dividido esses dois trajetos em três, fazer sem pressa e sem nos levarmos aos limites físicos. 

Em um dia de verão, caminhar pelo asfalto foi exaustivo, e influenciou em nossos rendimentos, nos dias seguintes. Ao final, foram cerca de 36 Km percorridos, com alguns desvios por bosques, mas muito trajeto por cidades ou estradas, sendo a última parte, de Mos a Redondela, com bastante subida e também, descidas acentuadas. 

O que eu faria diferente? Teria ido de Tui a O Porriño (18 Km), de O Prorriño a Redondela ou Arcade e depois, sim, de Redondela/ Arcade, a Pontevedra. 

Mas voltando a falar da 3ª etapa que fizemos, saímos muito cedo de Tui, ainda antes de o sol nascer, o que também não é recomendado, já que a sinalização do caminho foi desenvolvida para se enxergar à luz do dia, sendo quase impossível vê-la na escuridão. 

Ainda assim, foi muito bonito ver o sol nascer entre os bosques e plantações de milho da região.

O dia foi longo!

O percurso oferece um desvio por um bosque, em alternativa a percorrer o polo industrial de Porriño, que é por uma estrada bastante movimentada. Se caminha um par de quilômetros a mais, mas é uma alternativa bastante viável. Porém, ao final desse caminho complementar ou desvio, a sinalização fica um pouco confusa, sem contar que, durante qualquer caminho complementar, os marcos deixam de indicar a quilometragem. 

Peregrino na Variante Espiritual
Trecho da 3ª etapa da Variante Espiritual

 

Chegando em O Porriño, há vários bares para dar um descansinho da caminhada. O centro da cidade representa uma típica cidade medieval galega, com sua igreja e comércio. A estrutura de alojamento para peregrinos ali, também está boa. 

De O Porriño a Mos, a maior parte do trajeto é por estradas secundárias, embora também passamos por estradas grandes, e mesmo que haja vilas, não há opções de bares ou cafés.

 

Mos é uma vila bastante charmosa. No trajeto do caminho  há um albergue público e um restaurante. Também se pode contemplar a bela arquitetura de dois belos edifícios do século XVI, a Igreja de Santa Baia e o Pazo de Mos.

E depois de almoçar em Mos, seguimos, ladeira acima e ladeira abaixo, até Redondela. Chegamos muito tarde na cidade, mas fomos super bem recebidos pela Rosa, a dona da Pousada da Rosa, onde nos hospedamos.

Ela nos contou de suas várias experiências de peregrinação (sem intenção religiosa), mostrando com orgulho, a parede repleta de Compostelas emolduradas.

 

4ª Etapa: Redondela x Pontevedra

Parte desta etapa já era conhecida por nós. Como vivíamos em Pontevedra, estávamos sempre passeando pela região, e já havíamos feito os 12 quilômetros finais desta etapa.

De Redondela até Arcade, passamos por bosques e estradas. Em um determinado ponto do trajeto, se pode ver a Ria de Vigo.

Bosques Caminho de Santiago
Bosque na etapa até Pontevedra

 

Ponte medieval Caminho de Santiago
Ponte medieval entre Arcade e Ponte Sampaio

 

Arcade é pequena. O ponto alto da cidade é a ponte medieval que leva a Ponte Sampaio. 

Ao atravessar a ponte, existe um bar e restaurante que serve comida tradicional galega. Se estiver passando por ali na hora do almoço, vale a parada, pois principalmente os frutos do mar servidos (da estação), são bastante frescos. Mas se passar elo local outro horário, pode tomar uma bebida, e ainda levar um sanduíche para o caminho.

Aliás, até Pontevedra, a única opção de comércio é um mercadinho, há  4 Km de Pontevedra, mas há que desviar um pouco do caminho  e prestar atenção aos horários, como já falamos.

A alguns poucos quilômetros de Pontevedra, você pode optar por um caminho complementario. O caminho tradicional vai pela estrada, sem muita opção de parada, acostamento ou árvores. O caminho complementario desvia por um bosque, e  permeia um riacho. É um caminho bem gostoso e relaxante, com bastante sombra. Claro que optamos pelo desvio!

Pontevedra é um encanto! Se pode passear pelas ruelas medievais, encontrar as fontes e igrejas espalhadas pela cidade, sentar-se em alguma das praças para tomar algo e observar a vida cotidiana da cidade. Se este tipo de passeio te interessa, sugiro que fique em um albergue no centro medieval da cidade, já que os demais ficam como 1 km ou 1,5 km do centro, e muitas vezes, não temos disposição para passeio após ter cumprido uma etapa do caminho.

 

5ª Etapa: Pontevedra x Armenteira – Início da Variante Espiritual

Saindo de Pontevedra, a 2 km da Ponte do Burgo, uma plaquinha singela mostrava uma bifurcação. Pela direita seguiríamos o caminho tradicional, e pela esquerda, entraríamos na Variante Espiritual.

Por ali seguimos, passando por regiões periféricas de povoados como Poio. A paisagem é um pouco diferente da percorrida até então, sendo ainda mais rural. Passamos por igrejinhas de pedras, pequenas plantações de uva e bosques.

A passagem por Poio revela o Monasterio de Poio, construído no século XVI, pela Ordem dos Mercedários.  Altualmente oferece alojamento aos peregrinos e pode ser visitado.

O mosteiro fica a 3 km de Combarro, e logo se avista a costa em que se situa a cidade. Caminhamos alguns metros à beira da praia e logo entramos em Combarro, uma cidade costeira, medieval, conhecida por preservar os hórreos que estão dispostos à beira mar, e a arquitetura das casas marinheiras.

Os hórreos, são construções típicas da Galícia, norte de Portugal e Astúrias. Serviam, em tempos passados, para o armazenamento das produções do campo. E esse é um dos motivos destes hórreos chamarem tanta atenção: em Combarro, a atividade essencial da cidade não é a agricultura e sim, a pesca. Então o que acontece é que esta paisagem nos oferece algo distinto do que costumamos ver na Galícia. 

A alguns meses, escrevi um post com mais informações e fotos de Combarro.

Esta região é conhecida pela produção de vinhos  albariño e pescados. Alguns restaurante estão dispostos à beira mar, ofertando uma vista lindíssima, oferecendo pescados na brasa e pratos típicos da região. Um exemplo são as empanadas que, diferentemente do restante da Espanha, tem a massa feita com milho. Seu recheio leva berberechos, uma espécie de moluscos.  Os custos não são altos, então vale a pena  passear um pouco pela cidade e  aproveitar a paisagem. 

Seguindo…

De Combarro à Armenteira, são 11 km, e não existe bares ou restaurantes neste trajeto. Então, certifique-se de que não te falta nenhum suprimento antes de sair de Combarro.

Aqui, coloco duas observações. A primeira é a de que a Variante Espiritual possui uma variante, a Rota do Padre Sarmiento, que começa em Combarro, permeando toda a costa da Ria de Arousa, e volta a se encontrar com a Variante Espiritual, em Vilanova de Arousa, onde se faz o Translatio.

A segunda observação é para quem pode empregar mais tempo no Caminho de Santiago. Finalizar esta primeira etapa em Combarro, e não em Armenteira é viável, pois se pode curtir a cidade com mais calma e sair bem descansado no dia seguinte. E então, fazer uma segunda etapa até Armenteira. 

Mas para quem decide continuar, como foi o nosso caso, prepare as pernas, pois começaremos a subir o morro!

Até Armenteira, percorremos, parte do trajeto em uma estrada secundária asfaltada, depois, uma estrada de terra, que parece estar dentro de um parque. Como disse, não há opções de lugares para comer ou comprar água. Na verdade, também não há mesas ou bancos para descanso ou piquenique, e em boa parte, as árvores estão tão espalhadas, que não há sombra para amenizar a incidência solar ou conter o calor.

Armenteira, Variante Espiritual
Monastério de Armenteira.

A tão desejada chegada…

A chegada à Armenteira é quase uma visão de alívio, embora a chegada seja por uma descida abrupta por uma via de pedras escorregadias. 

Entramos na cidade pela lateral do Mosteiro de Armenteira, seguindo um pequeno riacho e um bosque minúsculo. A mim, a paisagem pareceu bem mais verde que aquela subida toda até ali. 

O monastério é o ponto alto deste povoado. Ali se pode alojar, também com marcação prévia de ao menos 2 dias, mas existe uma série de exigências em relação a horários.

Também se pode comprar deliciosos biscoitos de nata e outros produtos produzidos pelas freiras, além de carimbar a credencial do peregrino com um dos carimbos personalizados mais bonitos que vimos. 

O monastério é da segunda metade do século XII, e é da ordem cisterciense, e habitado por freiras. Visitas são permitidas, e não se paga nada para entrar. 

Diariamente, as freiras celebram uma missa cantada. A missa ocorre às 19 horas, e há que se chegar com dez minutos de antecedência, e manter absoluto silêncio. Dura apenas 30 minutos e é feita uma oração aos peregrinos. A dica é: não é preciso ser religioso para apreciar um momento como este, então, tente ir! O canto é muito sereno, muito bonito. 

Ademais, o povoado é pequeno, embora ofereça dois restaurantes, um albergue público e outro privado. O que ocorre é que a região é bastante turística entre os amantes de trilhas. Ali, se pode fazer a “Ruta da Pedra e  Auga”, por onde passa também o caminho de Santiago, mas que se pode fazer de forma independente.

Ficamos no albergue público da cidade, de excelente estrutura. Possui dois quartos coletivos com muitas vagas. O  banheiro também é coletivo, separado por gênero. Possui ainda estrutura de lavanderia e máquinas de café, bebidas e  petiscos.

 

6ª Etapa: Armenteira x Vilanova de Arousa

Esta é a etapa mais longa da Variante Espiritual, sendo cerca de 22 Km, e com bons motivos para dividi-la em duas etapas. Porque sim, somos desses que param para ver tudo o que acha bonito.

Explico: esta etapa se inicia justo pela Ruta de Pedra e da Auga que, como o próprio nome diz, é uma rota de 32 moinhos de pedra, dispostos ao longo do Rio Armenteira. Os moinhos já não estão ativos e a maioria deles está em ruínas, no entanto, isso não tira a beleza do lugar. O trajeto tem a longitude de 8,2 Km, dentro de um bosque, onde se vai acompanhando o curso do rio. Há duas opções de caminhada: um trajeto mais plano, por onde se vê o rio desde cima, e outra parte um pouco mais acidentada, com raízes de árvores e algumas pedras, mas no qual se acompanha o rio e os moinhos. A segunda opção é mais bonita, mas pode não ser acessível a pessoas com problemas de mobilidade, como cadeirantes, por exemplo. 

Se encarar esta parte do trajeto como um passeio, vai gastar muito tempo ali, como foi o nosso caso, então pode ser interessante se hospedar em Ribadumia, que fica ao final da Ruta. 

Depois do bosque encantado… 

Ao final da Ruta, também existe um restaurante, onde se pode almoçar ou comprar algum lanche para comer ao longo do caminho. O próximo restaurante está há uns 10 Km dali e, agora o caminho muda um pouco de paisagem: de um lado, o Rio Umia, de outro, as plantações de albariño.

Ao longo do caminho pelas margens do rio, pudemos observar aves selvagens, a reprodução de salmões e a colheita de uvas. Havia muitos bancos espalhados nas margens do rio, então nos sentamos para descansar e para comer.

Porém, quando acaba o rio, nos resta caminhar pela estrada. Esta parte do trajeto não foi muito agradável, pois além do calor que fazia, muitos pontos não comportavam acostamento para a passagem dos pedestres ou peregrinos. Então é um ponto que requer muito cuidado. Mas dura apenas uns 3 Km, depois, entramos em outras vilas e caminhamos por estradinhas rurais, cercados por videiras, nessa zona produtora de albariño.

Praia Vilanova de Arousa
Final da etapa, chegando em Vilanova de Arousa.

A chegada a Vilanova de Arousa se mantém nesse clima especial. Aqui, se faz um percurso em um parque de altos pinheiros situados a beira mar, em praias de águas claras e grandes pedras. Assim, a visão que se tem do litoral é realmente muito bonita, e quem se animar, pode até dar um mergulho antes de continuar!

Prepare-se para o Translatio!

Logo que se atravessa uma passarela que dá acesso à cidade, se pode ver a agência La Barca del Peregrino, que vende os bilhetes para o percurso em barco.

Vale ressaltar que a etapa seguinte, até Padrón pode ser feita a pé, ou em barco, no chamado Translatio, que, segundo contam, faz o mesmo percurso que o barco que levava os restos mortais do Santiago até o local onde seria sepultado. É por isso também que se diz que a Variante Espiritual é a origem de todos os caminhos. A rota a pé, compreende 34 km.

A dica para aqueles que querem fazer o translatio, é de ligar com uns dois dias de antecedência, seja para comprar antecipado, seja para receber informações de horários de saída dos barcos. O percurso do barco é por uma Ría, isto é, navega pelo mar até onde ele se encontra com um rio. Assim, a maré varia muito de acordo com os horários do dia, época do ano ou alterações climáticas. Então não há uma tabela fixa de horários a ser apresentada. Nosso barco, por exemplo, saiu às 12:00 hs. O tempo de duração é de aproximadamente uma hora e meia.

 

7ª Etapa: Translatio – Vilanova de Arousa x A Picaraña

O Translatio, certamente coroou a nossa experiência pela Variante Espiritual. O percurso feito em barco sai de Vilanova de Arousa e segue pela costa da Ria de Arousa. Quase não se vê o tempo passar diante da beleza natural do caminho, que também é cheio de história e lendas.

Mas quem nos levou para vivenciar esse momento incrível, foi a empresa La Barca del Peregrino, que conta com uma equipe muito legal que nos leva por uma visita guiada cheia de informações sobre a rota.

Primeiramente, pudemos ver de perto as bateas, grandes estruturas autóctones da Galícia, feitas para a criação de mariscos, e incluso, pudemos assistir os pescadores realizando a coleta do mexilhão.

Translatio
Barco pesqueiro – Trabalho em uma batea.

A rota ainda fala sobre as grandes batalhas ocorridas na região, seja por conquista de território, seja por tentativas de saques, incluso, das relíquias do santo apóstolo. Vimos de perto as ruínas das Torres do Oeste, testemunhas de grande parte da história da Galícia. Por ali passaram os povos castrejos, romanos, Vikings, corsários, muçulmanos e cristãos.

Também na rota, se pode ver a única Via Crucis marítimo-fluvial do mundo. São 17 cruzeiros em pedras dispostos durante a rota. Aliás, os cruzeiros são um dos elementos representativos da cultura galega.

Foram tantas coisas para ver, pensar e assimilar, que quando nos demos conta, já estávamos aportando em Pontecesures, e nos dirigimos à Padrón, voltando a incorporar o Caminho Português Central.

A etapa continua, desta vez, a pé.

Em Padrón, decidimos adiantar um pouco o caminho, indo até A Picaraña, que estava há 9 km.

Como eu já dei a entender algumas vezes, somos um tanto lentos, pois somos dois vislumbrados com o mundo e acabamos parando bastante para observar, descansar em uma paisagem bonita ou fotografar, ou bater um papo com alguém. Esses 9 Km abarcam tanta coisa, que acabamos demorando mais nesse percurso do que planejamos.

Em Padrón paramos para almoçar junto de outros peregrinos que, como nós, finalizavam o percurso da Variante Espiritual. Depois, fomos até a igreja matriz da cidade, onde se exibe (com orgulho), a suposta pedra onde o barco que levava o corpo de Santiago atracou, ali, no porto de Padrón, antes de seguir pelo continente.

As pérolas do caminho…

Pouco depois de Padron, passamos por uma pequena vila chamada Iria Flávia, que num passado um tanto distante, foi a capital da província, mas hoje se resume a umas poucas casas e uma enorme igreja em pedras, cercada por um cemitério. Sei que parece um pouco fantasmagórica, mas a verdade é que achamos um tanto poética, e ali ficamos um tempo observando.

O percurso até A Escravitude variava entre estrada secundária, rodovia e pequenas vilas, passando por plantações, bosques e hórreos. A cidade também é pequena, mas nos recebe com sua imponente igreja, de características barrocas. 

Ali, conhecemos o Sr. Jesús, um marinheiro aposentado, com muitas histórias para contar. Na verdade, ele logo se torna uma atração mais interessante que a própria igreja. Assim, entre histórias de sua vida, viagens, fundação da cidade e construção da igreja, acredito que o sr. Jesus se apresentou(despretensiosamente) melhor que alguns guias que os guias que lemos sobre a cidade. Por isso, espero que, se fizerem esse trecho do caminho de Santiago, tenham a sorte de encontrar com essa personalidade tão simpática!

E dali, seguimos até A Picaraña, e mais uma vez, desfrutando de uma paisagem rural, com direito a ruas estreitas em pequenas vilas, cobertas de uva, ovelhinhas no quintal e hórreos adornados com flores.

Todavia, o hotel em que ficamos em A Picaraña ficava na beira da rodovia. Assim, acabamos não conhecendo a cidade.

 

8ª Etapa: A Picaraña x  Santiago de Compostela

Pois, a última etapa é sempre a mais difícil. Junto ao peso da mochila e ao cansaço dos dias, vai uma dorzinha de cotovelo pelo final da caminhada. Sim, isso acontece mesmo que no decorrer dos dias acabássemos reclamando de dor, de cansaço, e se questionando sobre as razões que te levaram a fazer o caminho (de novo!).

De A Picaraña até Santiago de Compostela são apenas 16 km. Passamos por algumas cidades periféricas de Santiago. Apesar dos bosques no caminho, devagar, a paisagem rural vai dando lugar a algo mais urbano.

Assim, a cada quilômetro, um misto de celebração por ter conseguido, e nostalgia do que foi vivido, do que está sendo deixado.

Não à toa, muitos se aventuram a continuar o caminho até Finisterre ou Muxia. Não foi nosso caso desta vez, mas queremos muito conhecer essa rota, que tem fama de ser lindíssima. 

Mas a chegada a Santiago é sempre especial, sobretudo, conforme vamos avistando a catedral e nos aproximando.

Inegavelmente, a Plaza del Obradoiro é o lugar onde  o caminho se concretiza. Ali, todos os peregrinos param diante da catedral para contemplar sua arquitetura e unir se a outros peregrinos em comemoração pela chegada.

Conclusão do Caminho de Santiago De Compostela
Registrando nossa chegada

Enfim, era hora de apresentar a credencial para conseguir a Compostela, recarregar as energias para um passeio pela cidade ou para assistir à missa celebrada diariamente e dedicada aos peregrinos.

Depois de quatro anos, cumprimos esses mesmos rituais, com exceção da missa, já que a catedral estava em reforma. Mas dessa vez, a diferença crucial é que fomos descansar em casa, já que havíamos acabado de nos mudar para Santiago de Compostela. 

Para quem tem um pouco mais de tempo, vale a pena reservar um ou dois dias para passear por Santiago, pois a cidade é muito muito bonita. 

 

Custos do Caminho

A saber, existem muitas formas de se fazer o Caminho de Santiago. Uma modalidade que vem ganhando força é a mescla do caminho com o turismo rural, onde se pode aproveitar para imergir, não só na experiência do auto-conhecimento, mas também, numa experiência cultural com visitas guiadas a pontos de interesse, hospedagem em pousadas rurais, entre outras coisa.

Entretanto, não foi este o tipo de roteiro que realizamos. Tampouco, fizemos a versão econômica, que, para a peregrinação, pode ser extremamente barata.

Assim, deixo um intervalo de valores médios, para que se possa ter uma noção de gastos que caberiam no seu perfil.

  • Credencial do Peregrino: De €1 a €2,50 (Importante levar a credencial, pois os albergues só aceitam peregrinos com a credencial)
  • Albergue público: De €6 a €10 por pessoa
  • Albergue privado: De €10 a €25 por pessoa

*** A maioria dos albergues não oferece café da manhã gratuito. Em geral, pode ocorrer de alguns alimentos ficarem disponíveis (mas não com elementos de uma refeição completa), ou se paga uma taxa (entre 2 e 5 euros) para que o anfitrião providencie o café da manhã.

*** Vale lembrar que, em épocas normais, os albergues públicos não reservam vaga. Já os albergues privados, não só realizam a reserva, como muitos oferecem opções de quartos privados.

  • Menu do Peregrino: De €8 a €13 (Entrada + prato principal + sobremesa/Café – Em alguns lugares a bebida está inclusa, outros, não. Menu individual)
  • Transporte de bagagem: De €5 a €8 por item de até 18 kg.
  • Translatio: €25

 

Outras dicas:

Se quiser outras dicas, temos ainda alguns posts que falam mais sobre a experiência do caminho e algumas dicas essenciais para que a sua experiência seja ainda mais proveitosa:

Dicas para se preparar para o Caminho de Santiago de Compostela

O Caminho de Santiago De Compostela

Um pouco mais sobre o Caminho de Santiago

10 Pontos Turísticos de Santiago de Compostela – o que fazer na capital galega

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8 comentários em “A Variante Espiritual do Caminho de Santiago Português”

    1. Obrigada, Izabela! Fico muito feliz que tenha gostado! Em geral, as variantes dos percursos tradicionais acabam não ganhando muito destaque mesmo. O que tem certas vantagens. Principalmente para aqueles que preferem fugir da massificação de algumas rotas, esses caminhos alternativos são ótimos! 😉

  1. Que post incrível! Adorei conhecer a variante espiritual do caminho de Santiago, da parte portuguesa. Vou me preparar para fazer o Caminho e vou me basear nas suas dicas e informações. Parabéns pelo post, obrigada por compartilhar.

  2. Roberto Caravieri Junior

    Adorei conhecer mais sobre a variante espiritual do Caminho de Santiago. Eu estou doido pra fazer uma parte do caminho o ano que vem, pois vou fazer um sabático e esse é um dos meus planos! Vou pegar muitas dicas aqui, muito obrigado!

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