Slow Travel






Uma outra maneira de viajar


Ao folhear uma revista qualquer, daquelas que são distribuídas em agências de turismo tradicionais, é comum esbarrarmos com aqueles clássicos roteiros de viagem: “Conheça 7 países em 15 dias”. Algo parecido acontece ao visitar blogs de turismo na internet, onde encontramos inúmeras listas sobre coisas “imperdíveis” que “devemos” fazer em determinada cidade.

Estes fenômenos são tão comuns no mundo das viagens, que acabamos não nos dando conta do seu real significado: a massificação do turismo. 

Nos últimos anos, observamos um aumento e um maior acesso das pessoas ao mercado turístico. Dados do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (
WTTC) relatam que em 2018 houve um aumento 3,9% no mercado mundial gerando um lucro de US$ 8,8 trilhões. Só no Brasil, em 2018, o turismo foi responsável por 8,1% do PIB nacional, tendo, neste mesmo ano, um crescimento de 3,1%, o dobro em relação à economia brasileira como um todo neste mesmo ano. 

Essas transformações no setor são visíveis na prática. Cada vez mais as pessoas estão podendo viajar, e encontrando facilidades que permitam descomplicar o turismo. Com o avanço dos aplicativos e da internet, inúmeras ferramentas surgiram para facilitar e abrir alternativas à indústria tradicional.

Foram criadas outras formas de hospedagem, de indicações gastronômicas, de guias de turismos que fugissem do convencional. Ferramentas como o AirBNB, TripAdvisor e o Google Maps revolucionaram a forma de viajar, e acabaram ampliando ainda mais as opções, favorecendo ainda mais o crescimento do mercado. Isso deveria ser um bom sinal, certo?

Sim e não. Claro que é maravilhoso que o turismo esteja acessível para todos e que, consequentemente, seja cada vez mais possível fazer uma viagem. Entretanto, os impactos de um turismo inconsequente podem ser observados cada vez com maior frequência nos principais pontos turísticos, seja em relação aos monumentos ou à população local. Preços sobem; os imóveis centrais das grande cidades turísticas acabam sendo destinados à estadia de viajantes em detrimento dos moradores locais; o excesso de trânsito de pessoas afeta a estrutura física de alguns monumentos históricos; entre inúmeros outros problemas.

O próprio ato de viajar, muitas vezes parece estar sendo apenas um item de consumo. Em uma sociedade capitalista onde ter e ser estão relacionados, viajar passa a ser um artigo de luxo, que oferece status, algo a ser exposto nas redes sociais. O que importa são as selfies e os check-ins realizados nos pontos turísticos e expostos em sua timeline, para que um maior número de pessoas tome conhecimento. 

Muitas vezes, não é dada a devida importância à troca de experiências, à apreciação da natureza ou ao contato com outras culturas. É como se os pontos a serem visitados tivessem adquirido características comparáveis às marcas dos objetos. Ir a determinado local acaba se relacionando com a personalidade que a pessoa quer demonstrar para os demais: ir aos locais mais disputados fazem a pessoas ser associada com o luxo, tal como visitar lugares mais exóticos mostram o quanto uma pessoa tem um estilo alternativo ou cool. 

O movimento Slow Travel surgiu justamente para questionar essa lógica massificadora e consumista, mostrando que existem outras formas de viajar. Somos defensores de que todos possam e devam viajar, inclusive, somos grandes incentivadores desta ação, pois estar em um lugar novo representa muito mais que a mera presença ali. Significa adquirir conhecimentos, ampliar o pensamento, renovar conceitos, e portanto, esta ação deve ser feita de forma consciente e respeitando a natureza, a cultura, a população e a História dos locais conhecidos.






As Origens do Slow Travel



Traçar as origens do movimento é pensar nos grandes viajantes de outrora. Pessoas lendárias (ou não) como
Marco Polo (1254-1324) em sua jornada até a China, ou então nas crônicas de viagem de
Ibn Batuta (1304-1377), que em pleno século XIV, pode conhecer lugares tão distantes como Espanha, Índia, Afeganistão, Egito, Marrocos, Mauritânia e Somália. 

Os relatos destes dois personagens são magníficos, justamente pela forma que ambos souberam imergir nas culturas visitadas, conhecendo o dia a dia da população, tentando entender seus hábitos e costumes. 

Essa mesma preocupação estava presente nos escritores românticos do século XVIII, que buscavam inspiração para suas obras realizando viagens de autoconhecimento para lugares distantes e isolados. Um exemplo clássico do romantismo foi a viagem dos escritores Mary Sherley, Lord Byron, Percy Shelley e John Willian à vila de Cologny, onde alugaram uma pequena cabana. Alí eles passaram o verão de 1816, às margens do lago Genebra. Entre caminhadas ao ar livre, passeios de barco e contação de histórias nos dias chuvosos, surgiram idéias que resultaram em novelas famosas como “Frankenstein” e “Drácula”. 

Porém, o conceito de Slow Travel foi construído na modernidade e está estritamente relacionada às transformações sócio-culturais do século XX. Tudo começou de forma pequena e local. Em 1986 uma filial do McDonalds seria aberta na Piazza di Spagna, em Roma. Contudo, um senhor, chamado Carlo Petrini achou que esta rede americana de Fast Food ameaçaria o comércio local, além de desvirtuar a culinária italiana, tão tradicional naquela praça. Ele reuniu um grupo de pessoas, que realizaram protestos e criaram uma petição para impedir o estabelecimento da lanchonete. Mesmo com todo o poderio da rede americana e seus advogadas, o movimento de Petrini obteve sucesso.

Este foi o início de um movimento conhecido por
Slow Food, que logo se espalhou pela Europa, buscando valorizar a produção local, o uso de ingredientes frescos, a alimentação saudável e transformar o ato de comer em um momento para ser apreciado, sem pressa, aproveitando o que cada região pode produzir, enfatizando um modo sustentável.

Do Slow Food se ramificaram várias correntes de pensamentos conhecidas como
Movimentos Slow Moment. Tratam-se de diversas ações coletivas que buscam diminuir o ritmo alucinante criado pela industrialização, e repensar alguns hábitos que já estão enraizados em nossa sociedade. Exemplos destas ações são os movimentos Slow City, Slow Life, Slow Economy, Slow Education, entre muitos outros.







O Viaje Cartesiano e o Slow Travel


O Projeto Viaje Cartesiano possui como um dos seus pilares o movimento Slow Travel. Acreditamos no ato de viajar como uma ação ativa e transformadora. É um momento de autorreflexão, uma oportunidade de entrar em contato com o outro, com quem pensa diferente, e neste encontro, fazer surgir algo novo. Sua essência pode continuar sendo a mesma, mas sua forma de ver o mundo pode se tornar diferente. Como nas reações químicas, descritas por Lavoisier: “Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma!”. 

Viajar no modo “slow” não é necessariamente viajar devagar ou por muito tempo, mas sim viajar com profundidade, deixando-se entrar em contato com as pessoas, imergir em situações que criem novas experiências, e envolver-se nessas vivências. Você pode dar a volta ao mundo, ter conhecido 153 países, mas se nessa jornada não conversou com ninguém, não vivenciou novos estilos de vida, não se permitiu provar algo diferente ou não se deixou conhecer melhor: essa viagem não te serviu para nada!







O Manifesto do Slow Travel



Na atualidade, o Slow Travel tornou-se uma corrente em constante crescimento, com diversos representantes em vários países. Em 2009 a revista
Hidden Europe publicou o Manifesto Slow Travel
, descrevendo todos os valores por trás do conceito deste movimento. Este documento não dita “regras” de como você deve viajar, mas sim valores que são importantes para se ter em conta na hora de viajar. São estes os princípios
norteadores do Slow Travel:



Princípios:


1-
Comece em sua própria casa. A chave do Slow Travel é o estado de espírito. Isto pode ser desenvolvido em casa
.

2-
Viaje lentamente: evite os aviões sempre que possível, no lugar, aproveite as balsas, ônibus locais ou trens. A velocidade destrói a relação com a paisagem. O Slow Travel faz, justamente, a restauração desta relação;

3-
Você pode esperar ansiosamente a chegada a um destino escolhido, mas não deixe esta antecipação eclipsar o prazer da jornada;

4-
Conheça os mercados e lojas locais;

5-
Saboreie a “cultura dos cafés”. Sentado em um café você se torna parte da paisagem urbana, e não apenas um observador passageiro;

6-
Reserve um tempo para conhecer um pouco dos idiomas ou dialetos locais das áreas que você visita. Aprenda algumas palavras, use um dicionário e compre um jornal local;

7-
Interaja com as comunidades de forma respeitosa. Escolha acomodações e busque alimentações adequadas para a área em que você está viajando;

8-
Faça o que os nativos fazem, não apenas o que dizem os guias de viagem;

9-
Aproveite o inesperado. Trens atrasados ou conexões de ônibus perdidos podem criar novas oportunidades;

10-
Pense no que você pode devolver às comunidades que visitou.

(O Manifesto Slow Travel – Tradução Livre)

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