Saiba como é a Festa de São João na Galícia

Saiba como é a Festa de São João na Galícia

Costuma-se dizer que os galegos gostam de festas como ninguém. E isso se torna evidente ao olhar o calendário de celebrações. Ao longo do ano ocorrem mais de 4 mil festas tradicionais por todas as províncias galegas. Nós brasileiros temos uma ligação especial com as festas de São João, ou festas juninas. Mas o Brasil não está sozinho nesta tradição. Nas regiões litorâneas da Espanha, por exemplo, os festejos são tão importantes quanto no nosso país. Como nós também amamos essa festa popular, gostaríamos de contar um pouco sobre como é a festa de São João aqui na Galícia. Aliás, esta é uma das festas mais importantes da Comunidade Autônoma. De antemão, gostaria de dizer que as tradições são muito diferentes, embora coincida alguns elementos. E aí, quer conhecer?

 

As festas populares da Galícia 

 Embora as festas ocorram ao longo de todo o ano, passam a se concentrar nos meses de primavera e verão. E cada cidade ou povoado tem sua tradição, que em geral envolve comida e festas públicas, nas ruas. Acho até que vale a pena citar algumas delas.

Por exemplo, em Pontevedra, celebra-se a Feira Franca em um final de semana de agosto. A festa relembra o passado medieval da cidade, contextualizada no século XV. Para isso, as ruas do centro antigo são tomadas por um comércio temporário, com produtos artesanais, além de se enchem de pessoas vestidas à caráter. Ademais, são realizados jogos como os da época, banquetes e musicais. Em Betanzos ocorre uma festa com a mesma temática, mas é no mês de julho.

Já no povoado de Catoira, a festa de destaque é o Desembarque Viking. Ocorre que a região, no passado, sofreu inúmeros ataques e invasões. Assim, na atualidade, embarcações vikings atracam próximo às ruínas das Torres do Oeste (que protegiam a entrada da enseada), simulando o desembarque e derrota destes. Às margens do Rio Ulla ainda ocorre uma festa gastronômica com oferta de mexilhões e vinhos da região.

 

Carballiño tem a festa do polvo, onde a iguaria é preparada em um parque, na sombra das árvores. Cambados tem a festa do albariño, vinho produzido na região. 

Assim, existem celebrações comuns, de acordo com a época ou o feriado, como o Magosto, que ocorre em quase todos os municípios, na época de coleta das castanhas. As castanhas já foram o alimento principal dos galegos, séculos atrás, antes da introdução da batata, e o alimento segue sendo tradição. 

Outro deles é o Entroido, fortemente celebrado em toda a Galícia e cada povoado comemora à sua maneira. Em geral, há um personagem principal que circula pelas ruas e a festa é regada de atividades e banquetes.

E há muitas outras festas celebradas, e uma das mais importantes é, sem dúvidas, o São João, que aqui, celebra-se na noite do dia 23 de junho.  

 

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São João e suas raízes pagãs

Embora o São João seja uma data cristã, a verdade é que diversas culturas celebram, há milênios, o início do verão. Assim, o que a Igreja Católica fez foi se apropriar de uma data amplamente cultuada pelos antigos povos.

O que se sabe é que, muito antes dos calendários, os povos organizavam suas vidas e rotinas de acordo com os ciclos da agricultura e da natureza. Assim, os cultos geravam em torno da natureza e fenômenos naturais.  

O solstício de verão, é a noite mais curta do ano, e no hemisfério norte, ocorre no dia 23 de junho. Portanto, com a incidência da luz solar prolongada, muitas culturas acreditavam ser esta uma noite mágica, onde simbolicamente a luz vencia as trevas. Como a maior incidência solar da chegada do verão representava o desabrochar da natureza e o fervilhar da vida, este momento era visto como o início de um novo ciclo.

Assim, compreende-se porque até hoje a data, seja na forma pagã, seja na doutrina cristã é tão celebrada, principalmente nos países nórdicos com passado vinculado à religiões que cultuavam a natureza. Também é compreensível a presença de tantos rituais: são os resquícios desse passado de comunhão com a natureza.

A Noite das Meigas

A Galícia é uma terra mágica, de mitos, lendas, poções, encantamentos e feitiços. É também, a terra de bruxas e meigas. Aliás, por aqui, o que se diz sobre as meigas é “habelas, hailas”, o que se poderia traduzir, ainda que num contexto de ceticismo, “existir, existem!”.

Pois as lendas são inúmeras, e junto com elas, um conjunto de tradições e crenças mais ou menos relacionadas, com elementos religiosos e místicos.

Mas sem dúvidas, dentre essas lendas galegas, as bruxas e as meigas se destacam em relação às outras. Ainda hoje, eles tendem a atribuir (ou brincar sobre) episódios de boa ou má sorte às “coisas de meigas”. Se houver um acaso, é “coisa das meigas”; se houver má sorte com objetos e tecnologias, será “coisa das meigas”.

A noite de São João, ou melhor, a noite do solstício de verão é uma noite muito especial. é uma noite mágica. Portanto, é uma noite de bastante misticismo. Acredita-se que nesta noite, o mundo mortal se comunica com o mundo do além. Assim esta é a hora de espantar os maus espíritos.

Nesse sentido, acredita-se também que é a noite em que as bruxas e as meigas estão perambulando por este mundo. Aqui vale a ressalva de que as bruxas e as meigas são, em essência, muito similares, com diferenças sutis. As bruxas habitam os bosques, possuem laços com o oculto e podem detectar o mau olhado e os feitiços e até desfazê-los. Mas elas têm essa ambiguidade moral, podendo fazer o bem ou o mau. Já as meigas, teriam pacto com o demônio, e agiriam de acordo com isso. Assim, seriam perversas, provocando o mau de maneira gratuita. Ah, e as meigas podem voar, as bruxas, não.

 

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Os elementos e rituais

Assim como nas festas juninas brasileiras, durante as celebrações do São João na Galícia, alguns rituais e elementos não podem faltar. As festas giram em torno destes componentes, que de certa forma une pessoas, crenças e gerações.

Aqui, vale retomar o fato de que essas festas têm suas raízes em tempos muito remotos, anteriores ao cristianismo. Portanto, os costumes e rituais possuem fortes relações com o paganismo. Mais precisamente, com o culto à natureza, à água e ao fogo.

Ritual das Ervas de São João 

Este é um dos rituais favoritos dos galegos e tem a intenção de purificar, proteger e espantar os males. No dia 23, antes do anoitecer, colhe-se as sete ervas de São João, colocando-as para repousar sob o orvalho numa bacia que mistura água colhida de sete fontes diferentes. E no dia seguinte, deve-se banhar (ou ao menos lavar o rosto) com esta água, ao sol.

As ervas que compõem o ritual podem variar, sendo as principais:

• Erva de São João, que tem propriedades curativas e cicatrizantes, e segundo as crenças populares, é o espanta demos.
• Codeso ou Xesta, utilizado para fazer vassoura, e assim, varrer os maus espíritos.
• Malva, que possui grandes propriedades curativas e é capaz de abrandar os corações mais duros.
• Alecrim, com propriedades que auxiliam em problemas reumatóides e de circulação. Mas função mística é a de purificar e estimular.
• Fento macho, para a proteção dos lares.
• Fiuncho, que ajuda na digestão e espanta o mal olhado.
• Erva Luísa, que é bactericida, expectorante e digestiva. Mas protege ainda das desilusões do amor.

Além dessas, é comum que se acrescente a roseira silvestre, arruda, sabugueiro, menta, entre outras flores e plantas aromáticas que se possa colher no próprio jardim.

Eu adoro esses rituais! Se funciona, eu não sei, mas que tem um cheiro fantástico, certamente tem!

 

 

Fogueiras na praia

As fogueiras são os elementos principais e não podem faltar na celebração do São João. Elas são montadas em lugares abertos, como praças, parques e principalmente, nas praias. Geralmente, se monta mais de uma fogueira. Em geral, as fogueiras são altas e vão sendo consumidas pelo fogo enquanto a comunidade  festeja ao redor dela, conversando, cantando, dançando e comendo.

Quando o fogo já está baixo, é hora de saltar a fogueira. São 3, 7 ou nove saltos (sempre números ímpares), que podem simbolizar a purificação ou a realização de desejos. É também um ritual de renovação, onde se queima o velho e se colhe boas energias, de proteção para o novo ciclo.

As cidades litorâneas costumam ser as que mais promovem as fogueiras. As pessoas se deslocam até lá, já que é um momento de muita alegria e confraternização.

 

A Queimada e o Conjuro

A Queimada é uma bebida que se prepara a partir de um ritual para espantar os maus espíritos, para o qual, se recita um conjuro. A bebida pode ser preparada em qualquer festa ou reunião familiar, mas sempre após o jantar, à noite e na escuridão. Mas ela é tradicional nas noites de São João.

A bebida é preparada em um recipiente de barro, próprio para o ritual, e leva água ardente, açúcar e casca de limão ou laranja, Mas também se pode acrescentar grãos de café, pedaços de maçã e uvas. Após fazer a mistura dos ingredientes, retira-se um pouco do líquido numa concha. Nesta parte da bebida ateia-se fogo, e em seguida, leva-se à concha ao pote, para que se incendeie todo o preparado. Lentamente o cerimonialista (quem está encarregado para o preparo da bebida) vai mexendo a bebida para que o álcool evapore quase que por completo e deixando que o fogo se apague sozinho. Neste momento, recita-se um conjuro que espanta os maus espíritos e as meigas, que estariam à espreita para pregar alguma peça. As chamas azuladas promovem o espetáculo do ritual, e ocorre por conta do açúcar adicionado ao preparo. Serve-se a bebida ainda quente, em vasos de barro.

Contudo, o conjuro invoca os 4 elementos naturais, tão presentes na cultura celta, sendo o fogo, o elemento principal da queimada. Assim, o fogo representa a purificação. A terra é representada pelo pote de barro, a água, pela aguardente, e o ar, o elemento que alimenta as chamas.

 

O ritual da fertilidade

Este, ocorre em um lugar específico da Galícia: a Praia da Lanzada, que está situada entre o Grove e Sanxenxo. Segundo a crença, o rito pode ser realizado em três datas ao longo do ano, sendo uma delas, a noite de 23 de junho, a noite de São João. O rito é realizado por mulheres que desejam ter filhos, mas encontram dificuldades. Assim, estas devem entrar nas águas do mar da Praia da Lanzada e  deixar que nove ondas atinjam seu ventre.

Apesar de se desconhecer as origens deste ritual, acredita-se que também esteja relacionado aos rituais pagãos realizados antes da era cristã, vinculados ao solstício de verão.

 

Sardinha e pão: os alimentos tradicionais do São João

A sardinha é o alimento tradicional do São João galego. Elas são assadas na brasa, em geral, ao ar livre, próximo às fogueiras feitas no campo ou na praia. Mas a maioria dos restaurantes também servirão o alimento na noite do São João.

A tradição tem a ver com a oferta do produto. Isso é, por estes dias,  há uma concentração maior de planctons no mar e portanto, as sardinhas estão melhor alimentadas, mais gordinhas e acumulando mais gorduras. Assim, este torna-se o melhor momento para a pesca destes peixinhos.

E o acompanhamento principal das sardinhas é o pão. Aliás, há até um ditado galego que diz de “No São João, a sardinha molha o pão”. Isso porque se serve a sardinha em cima de um pedaço de pão. Assim, a gordura da sardinha deixada sobre o pão, o torna mais úmido.

E como não poderia faltar, os banquetes são celebrados com vinho.

 

+ Aproveite para conhecer sobre os vinhos galegos

 

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Seria ótimo despertar o desejo de vivenciar essas festas tão intensas. Quem sabe não nos encontramos em alguma delas no próximo São João?!

Lembrando que esse post faz parte do Desafio BEDA Viagem (Blog Every Day August), um grupo de blogs de turismo que vai publicar todos os dias neste mês de Agosto. Portanto, acompanhe o material incrível dessa turma!!

 

Créditos da identidade visual do BEDA: Mariana Holtz estudante de design na Parsons New York. Mariana trabalha com ilustração de jogos e animações como o Geo Gravity e o The Magic Pencil. E ela também já ilustrou livros infantis como o “imagine” além de ter um projeto de histórias em quadrinhos contra fake news o Camaleão Leo Instagram @Mah_artz.

 

Um abraço e até amanhã!